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Causando prejuízo bilionário, broca da cana é um dos maiores problemas das usinas

Com dívidas que passam dos R$ 90 bilhões, tudo que as usinas não precisam é de mais problemas, especialmente se envolvem perdas bilionárias. Mas é justamente isso que o setor assiste anualmente.


Apesar do tamanho diminuto, as pragas agrícolas são um problema gigantesco. Juntas, as que afetam as lavouras de cana de açúcar chegam a causar prejuízos anuais de quase R$ 8 bilhões.

Com cerca de 2 cm de tamanho, a pior das infestações é responsável por mais da metade de todo esse prejuízo.

A Diatraea saccharalis, conhecida popularmente como broca da cana, vem dizimando as lavouras brasileiras da cultura. E o pior: está presente em toda a extensão plantada no Brasil. São mais de 9 milhões de hectares sujeitos a perdas enormes por causa de um pequeno inseto.

Especialistas no assunto apontam que o prejuízo das sucroenergéticas brasileiras vai de R$4 a R$5 bilhões por ano apenas com as perdas e com a necessidade de controle da broca nos canaviais.

Há estimativas de que, atualmente, cerca de 3% da produção nacional esteja infectada. O valor pode ser considerado inofensivo isoladamente, mas, de acordo com estudos do Instituto Agronômico de Campinas (IAC), as perdas no campo são de 2,9% em toneladas de cana por hectare e 3,3% na sacarose aparente (POL da cana) para cada 1% de infecção.

Com cálculos baseados em uma safra de 620 milhões de toneladas, as perdas agrícolas podem chegar a 54 milhões de toneladas de cana no Brasil. E esses números podem ser maiores. A pesquisadora do IAC, Leila Dinardo, acredita que a infestação nacional já chega a cerca de 4,5%.

Os gastos com controle da broca estão entre R$ 500 e R$ 1.500 por hectare, segundo estimativas do CTC, ao levar a cana infectada para a indústria, os resultados podem ser ainda piores. Considerando apenas a perda de peso no canavial e que uma tonelada de cana pode produzir até 120 kg de açúcar ou 85 litros de etanol, a praga faz as usinas produzirem menos 10,44 kg de açúcar ou 7,4 litros de etanol por tonelada de cana.

Levando em conta a produção acumulada da safra 2014/15 esses números equivalem a 3,09 milhões de toneladas de açúcar. Em um cenário em que a tonelada do adoçante seja cotada a R$ 1.300, o resultado significa um prejuízo de R$ 4 bilhões.

Se o foco for no etanol, são 2,5 bilhões de litros desperdiçados. Com base em uma média dos preços do etanol nas usinas em fevereiro desse ano, o rombo no combustível pode chegar a R$ 5,4 bilhões.

É claro que esses números são calculados com base em cenários hipotéticos de comercialização e produção exclusivas de açúcar ou etanol. Ainda assim, fornecem uma ideia de como a broca está comendo o dinheiro das usinas.

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Difícil de controlar

Ela está em todos os lugares. Segundo o gerente de biotecnologia do Centro de Tecnologia Canavieira (CTC), Virgílio Vicino, além de ser o principal organismo daninho à cana, todo o território nacional está sujeito à infestação. E a região mais afetada é justamente a maior produtora do País: o Centro­Sul.

Isso acontece porque o clima úmido e quente da maior parte da área é ideal para reprodução da broca. O próprio CTC estima que se o tratamento não for bem realizado, a área infectada pode alcançar 15%, o que traria prejuízos impensáveis ao setor.

Além de o Brasil oferecer as condições ideais para a Diatraea se propagar, seu controle é bastante difícil, pois depende de uma imensidão de variáveis – a começar pelo canavial. O estágio de crescimento da planta, condições climáticas e área plantada são fatores chave para o desenvolvimento do controle integrado de pragas, sistema que engloba ações preventivas e corretivas para o manejo de organismos nocivos.

Também entra em pauta o fator humano. A falta de uma equipe bem treinada, que saiba identificar as necessidades e a extensão dos danos, faz com que os resultados fiquem aquém dos necessários.

“Uma usina tem milhares de hectares de canaviais. É muito difícil controlar isso da maneira adequada e no tempo correto. É preciso mão de obra especializada e logística bem pensada”, explica Vicino, do CTC.


Controle biológico x controle químico
Como os canaviais apresentam tamanhos e estágios de desenvolvimento diferentes, além de localizações diversas, uma mesma usina pode ter diversos níveis de infestação que necessitam de aproximações distintas para o tratamento da broca.

Segundo ele, o tratamento envolve certas minúcias que, se feitas sem a atenção necessária, podem causar outros problemas. Hoje, a maior parte das usinas utiliza uma combinação de tratamentos químicos e biológicos que devem seguir uma série de regras para a aplicação.

O inseticida, por exemplo, é normalmente aplicado por meio de aviões. Em condições de muito vento, o produto pode se espalhar para culturas vizinhas e prejudicar outras plantações, além de não atingir o alvo adequadamente. Da mesma maneira, essa alternativa pode perder eficácia se cana estiver com folhagem alta.

Se a aplicação for feita por tratores, o canavial pode sofrer com amassamentos de soqueiras, compactação de solo e tombamento de cana. O inseticida também não pode ser aplicado em dias com previsão de chuva.

No caso dos agentes biológicos, é preciso realizar aplicação manual na plantação, trabalho que demanda “dedicação, tempo e paciência”, como explica Vicino. Para isso, o trabalho da logística é muito importante, visto que altas temperaturas, cálculo incorreto das áreas e postura inadequada dos insetos prejudicam os resultados.

Além disso tudo, parte fundamental do controle da praga é calcular a quantidade de inimigos da broca que serão soltos no canavial. A soltura tanto em número menor que o necessário quanto em excesso incorre em prejuízos à cultura.

Hoje, um dos métodos de controle mais populares é a liberação da vespa Cotesia flavipes nas lavouras. As chamadas “vespinhas” são criadas em laboratórios e espalhadas pela plantação de acordo com normativas préestabelecidas. A partir daí, encontram as brocas e depositam ovos nas larvas, que irão eclodir e parasitar os insetos, parando a infestação. A grande vantagem da Cotesia é a capacidade de parasitar a larva mesmo após a entrada no colmo da cana.

Há também o controle realizado com o Trichogramma galloi, inseto que parasita os ovos da broca da cana. Da mesma maneira que a Cotesia, os insetos são liberados no canavial e têm a finalidade de impedir que os ovos da broca eclodam. Os inseticidas químicos costumam ser conhecidos pela ação rápida e seletiva, afetando apenas a Diatraea saccharalis e possibilitando a utilização de agentes biológicos a qualquer momento, em conjunto com o inseticida.

Porém, diversas medidas de aplicação devem ser seguidas à risca para que o controle seja eficaz. É preciso atuar no tempo correto da praga para cada meio de combate. A medida mais afetada por isso é o tratamento químico, visto que perde sua eficácia se for utilizado muito cedo – antes da eclosão dos ovos – ou muito tarde – após as larvas perfurarem os colmos.

Ainda assim, de acordo com dados da DuPont, uma das principais fabricantes de inseticidas para controle da broca, áreas com infestações de 20% a 25% podem ter o índice revertido para menos de 5% com a utilização de defensores químicos.


“É impossível [acabar com a broca]. Não existe canavial sem broca”
Custos do combate à praga


Se, por um lado, o tratamento diminui a incidência das brocas no canavial, por outro, não há horizonte para que a praga seja erradicada. “Isso é impossível. Não existe canavial sem broca”, afirma Leila Dinardo, do IAC. Isso quer dizer que as empresas sempre terão de arcar com o custo do tratamento. Um estudo realizado pelo CTC aponta que os gastos com defensivos – entre inseticidas e utilização de Cotesia flavipes – variam de R$ 36 a R$ 128,84 por hectare. No caso de Trichogramma, o valor pode alcançar R$ 45 por hectare, de acordo com números da BUG Agentes Biológicos, empresa especializada nesse defensivo. Esses valores não levam em conta a mão de obra necessária e consideram apenas uma aplicação.

Se for planejado um manejo que utiliza as três técnicas – Trichogramma, Cotesia e inseticida –, considerando os menores valores da pesquisa do CTC e o valor da BUG em uma área de 30 mil hectares com três aplicações anuais, são R$ 12,6 milhões anuais em gastos apenas com produtos.
O valor pode ser bem maior, já que estimativas do CTC colocam os gastos com controle da broca entre R$ 500 e R$ 1.500 por hectare.
Mas há empresas que optam por utilizar apenas o controle biológico. Conforme o CEO da BUG, Diogo Carvalho, essa opção pode ser até 40% mais barata que a utilização de defensivos químicos.

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O futuro da broca
Por causar prejuízos enormes, a broca é alvo constante de pesquisas. Atualmente, o CTC desenvolve uma variedade de cana geneticamente modificada que contém um inimigo natural da praga, a bactéria Bacillus thuringiensis.

A ideia é que a cana modificada seja mais resistente à broca e atue como complemento no combate à praga, melhorando a produtividade do canavial e diminuindo a intensidade da utilização de defensivos.

Já no campo dos químicos, está em desenvolvimento uma tecnologia de controle por meio de aplicação no sulco de plantio da cana, o que deve manter a cultura livre de broca e proporcionar períodos mais longos de controle.

O fato é que a broca sempre estará presente. E, de acordo com Leila Dinardo, do IAC, os representantes do setor sabem – e muito bem – quanto esse problema custa anualmente.

Porém, dada a grande disparidade financeira e administrativa entre as usinas, a praga continuará sendo um fatores que aumentam o fosso que separa as empresas do setor. Além disso, com os prejuízos no campo cada vez mais quantificados, o combate a broca ganhará cada vez mais atenção, pelo menos entre as empresas mais estruturadas.

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Jorge Mariano – novaCana.com